domingo, 19 de junho de 2011

DISCURSO DO SENADOR CRISTOVAM BUARQUE

Discurso do Sen. Cristovam Buarque - 16/05/2011 Plenário do Senado Federal
Ter, 17 de Maio de 2011 16:48 Cristovam Buarque critica livros didáticos que admitem ensino com erros de gramática.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.)

Sr. Presidente, Senador Requião, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero aproveitar este pouco tempo, em que falo em nome do meu Partido, Senador Paim, para lembrar a criatividade brasileira em matéria de políticas sociais. Mas criatividade para fazer de conta que estão mudando as coisas, quando apenas damos doses homeopáticas, e criatividade para vender bem essas políticas sociais como se fossem resolver os problemas.

Começamos lá atrás, quando, em vez da abolição da escravatura, fizemos a Lei do Ventre Livre e dissemos que isso era uma grande conquista, e, olhe, o recém-nascido só era libertado quando chegasse aos 21 anos, se nenhum parente dele fugisse. Mas foi uma grande coisa! Depois tivemos a Lei do Sexagenário, que libertava quem já não tinha condições de fazer nenhum trabalho, Senador, nosso caso. Na verdade, chamava-se “libertados” como eufemismo para “abandonados”, e isso ficou por aí.

Esta semana a gente tem mais uma prática desse tipo. É o ensino do português legitimando falar errado. Isso é apresentado em um livro do MEC, e não quero culpar o MEC, porque os livros são escolhidos pelos professores do Brasil. Os professores escolheram o livro que permite falar errado.

Equipe AMV - Vale ressalvar aqui, que os livros didáticos são escolhidos pelos professores dentro de uma grade limitada, proposta pelo MEC e que, na maioria das vezes não atende ao que deseja o professor. Lembramos também que, na maioria das vezes, o professor só tem um dia para marcar os livros que vai utilizar no ano letivo. Não seria justo jogar toda a culpa sobre o professor.

Vejam bem, não estou dizendo com sotaque diferente, como o seu, como o meu; não estou falando em vocabulário diferente, como temos entre as regiões. Estou falando que duas coisas têm que vir unificadas: uma coisa é a ortografia; outra, a gramática.

Estão permitindo que se fale e que se escreva errado. E com que argumento? Com o argumento de que isso é para quebrar o preconceito contra os pobres que não sabem falar bem. Vejam o que estamos fazendo. Em vez de ensinar a todos o português correto, estamos, em nome do progresso social, dizendo que é autorizado falar diferente. Aí vamos criar dois portugueses – o português do condomínio e o português do campo; o português dos shoppings e o português das ruas – quando deveria ser o contrário. Uma boa política social é unificar as maneiras diferentes como hoje se fala. Uma das poucas coisas que vinham caminhando para uma unificação era o idioma, graças ao rádio e à televisão; não graças à educação, porque a educação não chega a todos. Não podemos aceitar isso de uma maneira tranquila, muito menos em nome do povo. O povo precisa, e a elite também, aprender um só português. Talvez o correto fosse dizer: o português correto é o português que a maioria fala, e ensinar aos ricos a falarem o português do povo. Muito bem, mas tem que ser um só.
Quando vejo essas pessoas dizendo que cada um deve falar o português como quer e a diferença é questão de preconceito, eu pergunto se eles vão aceitar, nos concursos públicos para escolher os nossos profissionais, o português dito errado. Não aceitam. Quero ver se vai poder entrar nas universidades, nas provas de português do vestibular, aqueles que utilizam o português que chamamos de errado, que hoje não querem que chamem.
Mas chamo a atenção para um fato que não é isolado, Senador Requião, é uma prática.
Comecei falando da escravidão. Mas vamos para o presente. Quando o salário não era suficiente para o trabalhador pagar a passagem de ônibus de casa para o trabalho, o que a gente fez? A grande conquista social do vale-transporte. O vale-transporte era para viabilizar o funcionamento da indústria porque, senão, os trabalhadores não iriam para lá. Quando os trabalhadores não ganhavam salário suficiente para comer bem e, se não comem bem, não trabalham, inventamos o vale-alimentação, o vale-refeição. E é uma grande conquista que se considerou do movimento social.

A grande conquista era o salário justo, suficiente. Até a merenda escolar, que é um instrumento necessário ao processo educacional, no Brasil, em grande parte, foi criada como a forma de preencher a falta de dinheiro da família para alimentar suas crianças. As escolas viraram restaurantes mirins para as crianças. E olhem que a merenda é fundamental para a educação. Mas não foi essa a perspectiva, foi compensar a tragédia social.

Temos exemplos e mais exemplos, no Brasil, de saídas criativas para não enfrentar o problema corretamente. As nossas escolas são boas para quem tem dinheiro, são ruins para quem não tem dinheiro. Em vez de fazer todas as escolas boas, a gente cria o ProUni. E eu sou favorável ao ProUni, como eu seria favorável à Lei do Ventre Livre, como eu seria favorável à Lei do Sexagenário, como eu seria favorável ao vale-transporte, ao vale-refeição.

Equipe AMV – Sempre remendo sobre remendo. Medidas paliativas que não resolvem de fato o problema.

Mas tudo isso, Senador Pedro Simon, é para não enfrentar o problema no seu âmago; tudo isso é para não enfrentar o problema na estrutura da economia e da sociedade brasileira. Cada vez que nós temos um problema, nós encontramos uma saída para tergiversar e não mudar nada e fazer de conta que as pessoas estão atendidas. Quando o dinheiro e o desenvolvimento não chegam a todas as partes, nós criamos a bolsa família. E ninguém pode ser contra uma transferência de renda para uma família que não tem o que comer. É bom que haja a bolsa família, mas, por favor, não é bom que se comemore a bolsa família.

Equipe AMV – Apenas duas coisas neste país são dignas igualmente para ricos e pobres: campanha de vacinação da pólio e prisão por não pagamento de pensão alimentícia. De resto, o transporte, a saúde, a alimentação, a educação, a moradia, tudo do pobre é tratado de forma indigna e funciona de forma indigna.

É bom que a gente diga que isso é um remédio enquanto este País não encontra uma forma de fazer justiça social.

Durante a última campanha presidencial, o que a gente via era os candidatos discutindo quem ia fazer mais bolsa família. Eu não vi um dizendo quem ia fazer com que no Brasil, Senador Pedro Simon, a bolsa família fosse desnecessária. Não se discute a desnecessidade, digamos assim, da bolsa família porque nós nos acostumamos aos jeitinhos, à criatividade das saídas sociais pela metade. E essa última é essa do português. A saída para nós termos a quebra do preconceito contra os que não sabem falar o português oficial é ensinar o português oficial a todos, ou fazer, como eu disse há pouco, oficial o português que o povo fala. Agora, deixar que haja dois português, dois idiomas, é quebrar o que há de mais substancial na unidade de um povo.

Faz pouco mais de cem anos, a Itália não existia. Era um conjunto de principados e grupos que existiam, cada um com seu idioma. Quem fez a Itália foi a escola ensinando italiano para todos: a escola para as crianças e as Forças Armadas para os jovens. Foi aí que os de Veneza, que os de Florença, que os de Nápoles, que os de Roma começaram a falar um só idioma, o italiano. Eles enfrentaram o assunto para unificar. Nós estamos querendo aceitar e conciliar com a desigualdade. Isso é fortalecer apartheid social brasileiro, fortalecer a apartação.

Equipe AMV – Mais um instrumento de exclusão porque, no devido momento, nos cobrarão o que hoje dizem ser aceitável.

Nós já tivemos neste País algo pior que na África do Sul porque aqui nós temos duas moedas: a moeda dos ricos que investiam no open market e a moeda do pobres que era salário em cruzeiro desvalorizando-se todos os dias. Unimos as duas moedas em uma só, que é o real, enfrentamos o problema da inflação no seu centro e resolvemos a política inflacionária. Até porque outra dessas nossas saídas criativas foi a tal da correção monetária. Em vez de enfrentarmos a inflação, inventamos a correção monetária; em vez de enfrentarmos o baixo salário, criamos o vale transporte, o vale alimentação; em vez de fazermos todas as escolas de educação de base igualmente boas para que os melhores entrassem na universidade, inventamos Prouni e cotas. Eu sou favorável a tudo isso, mas não posso deixar de reconhecer que tudo isso me deixa triste, encabulado, pela modéstia que isso significa diante da tragédia social que vivemos
É isso, Sr. Presidente, que eu queria falar nesta tarde, neste curto tempo, em nome do partido – tempo mais curto do que o do orador inscrito – para dizer que esta solução de um livro oficial do Governo autorizar um português errado não pode ser usada em nome da popularização, da quebra de preconceito, da aceitação da diferença. Não. Digamos com clareza: isso é uma tentativa de mais uma solução social criativa para não mudar as coisas. Da mesma maneira que, quando falta professor de física hoje, se elimina a física do currículo, quando as pessoas não conseguem aprender português, em vez de ensiná-las, toleramos o português como cada um quiser falar. Em breve, como já disse, teremos o português do shopping, o português da rua, o português do condomínio, o português do campo. Nesse processo, o Brasil caminha para uma divisão de sua sociedade, entre aqueles que estão dentro da modernidade e aqueles que estão fora, até que nem o idioma consiga ser inteligível entre esses. Não dá para aceitar esta situação.

Era isso, Sr. Presidente Requião, o que eu tinha para falar.

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